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São Paulo, SP, Brazil
Jurema Paes Cantora, compositora e historiadora, nasceu em Salvador-Bahia, estudou música e canto na universidade Federal da Bahia(curso livre), onde também realizou mestrado em história social com o Tema Tropas e Tropeiros no Alto Sertão Baiano, tendo como fonte a obra de Elomar Figueira Melo. Em 2002 lançou álbum de estréia”Jurema” (distribuição Trama) em parceria com o compositor e arranjador Marcos vaz, tendo como referência o tropicalismo e toda geração pernambucana do mangue beat, sendo bem aceito pela crítica especializada. Atualmente está trabalhando em seu segundo álbum com o título de Mestiça e concluiu doutorado na PUC SP em história das culturas com o tema:São Paulo em noite de festa: as experiências nordestinas (1940-1990) uma pesquisa que transita entre as áreas de música, comunicação, história e migração, tendo como base conceitual a mestiçagem.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Artigo em revista Chronidas

Jurema Paes São Paulo - Múltiplas cidades: narrativas e sonoridades. Texto escrito por mim e Maria Izilda Santos Mattos. http://www.revistachronidas.com.br/arq/edicao5/RCA02N05.DEZ2009.pdf

Lá ele

A importância fundamental do, "LÁ ELE".

Informação cultural importante.

O "lá ele" é uma das mais importantes expressões do idioma baianês, mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo os léxicos, a expressão significa "outra pessoa, não eu" (LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA, 2007, s/n).

A origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu surgimento às nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros identificam registros mais antigos no falar dos moradores do Pau Miúdo. O certo, porém é que o "lá ele" desempenha papel fundamental em um dos aspectos mais importantes da cultura da primeira capital do Brasil - a subcultura urbana do duplo sentido.

Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados para identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma forma, os soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas para que seu interlocutor profira expressões de duplo sentido.

Assim, as pessoas vivem sob constante tensão vocabular, cuidando para não fazer afirmações que possam ser deturpadas pelo interlocutor. Para indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é vedado conjugar na primeira pessoa inocentes verbos como "dar", "sentar","receber", "cair", "chupar" etc. O interlocutor sempre estará atento para,ao primeiro deslize, destruir a reputação de quem pronunciou a palavra proibida. 

Como antídoto para a incômoda prática, o "lá ele" surgiu como uma ferramenta indispensável na comunicação do soteropolitano. Assim, o indivíduo que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a salvo se, imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em alto e bom som "lá ele!" 


Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja, terá sua orientação posta em dúvida se falar "Neste Natal comi um ótimo peru". Contudo, se sua frase for "Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!", não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:
(i) se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar para almoçar hoje?", não se pode redarguir apenas "Sim"; deve-se responder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";
(ii) se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá ele. Já foi pago";
(iii) ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: "eu sou do Pau Miúdo, lá ele".

Para melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo real, ocorrido no último domingo durante a transmissão de futebol:
- Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"
- Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."
- Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"
- Repórter: "Lá ele!"

Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá elas, por favor".

A cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação interpessoal. Veja-se, a título de ilustração, o sufixo "ives". 
Em Salvador, não se pode falar palavras terminadas em "u", principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe social, o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A pronúncia de uma palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do esfíncter (lá ele) será prontamente rebatida com a amável sugestão. 
Para fazer face ao problema, a vogal "u" passou a ser costumeiramente substituída pelo sufixo "ives". 


Destarte, o capitão da Seleção de 2002 é tratado como "Cafives"; o Estádio de Pituaçu virou "Pituacives"; o bairro do Curuzu se tornou "Curuzives"; a capital de Sergipe sói ser chamada de"Aracajives"; e as pessoas que atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada na Bahia para apelidar carinhosamente pessoas de feições simiescas, há muito tempo passaram a ser chamadas de "Babives".


segunda-feira, 15 de março de 2010

Efeito Rumpilezz

 
Efeito Rumpilezz


            Aláfia significa caminhos abertos e esses são os infinitos caminhos da Orquestra Rumpilezz do maestro Leitieres Leite, caminhos abertos inclusive para os deslocamentos, dentre tantos, o estético e político. Nessa orquestra nada está separado, corpo e alma, física e metafísicamente falando. Os componentes estéticos musicais da orquestra são visivelmente mestiços e antropofágicos no sentido mais radical que a antropofagia possa apresentar, o sentido evolutivo da transformação acrescentando ai soma, retribuição, libertação e inclusão. O prazer estampado em liguagem musical na orquestra e em seus componentes musicais “está na festa da composição para a qual contribui, não no narcisismo isolado da sua especial participação competitiva”(Amálio Pinheiro – PUC SP), a orquestra contribui com a cena musical brasileira em que música, dança e pensamento não se separam, onde é possível estar vivo, ativo de corpo inteiro. A Rumpilezz é celebração, devoção e libertação, põe o corpo e mente pra pensar e dançar, ela reluz em pensamento mestiço, onde possíveis áfricas em diáspora se encontram.
            A Rumpilezz propõe reflexão ao seu estado Bahia enquanto marca publicitária e política enquanto discurso turístico, ela propõe sustentabilidade, ela propõe que se repensem as estratégias e os discursos miméticos, ela chama a atenção para o entorno, para o húmus que continua vivo ainda lá, traz em linguagem estético musical o check mate do em aberto, do democrático, do auto-sustentável e inclusivo, faz uso sincado do termo diversidade pois o utiliza em seu processo contributivo e educativo e não apenas em um processo ilustrativo e decorativo. A Rumpilezz dignifica, é matéria prima para o solo e não vassoura de bruxa, é uma força orgânica da natureza, por isso ela também se faz útil para o pensamento reflexivo de novas políticas culturais, discursos e comportamentos, é epicentro que pode ser referência viral para outras instâncias da sociedade causando deslocamentos. Esse talvez seja o “efeito Rumpilezz”.


(Paper escrito por  Jurema Paes – professora doutora em história das culturas e cantora)